A jornada é longa, difícil...mas o nascer do sol compensa....

Frase da semana...

Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa




quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Nunca te vi, sempre te amei

18 de agosto de 2010



Nunca te vi, sempre te amei

Mateus tinha tudo para não se interessar por futebol, e menos ainda pelo Inter. Nunca viu o sol, uma árvore, os olhos verdes da morena ou a torcida cantando no estádio, o que muitos consideram o toque mágico para uma criança se encantar pelo mais apaixonante dos esportes e definir o time do coração. Nasceu cego.



Opai, a mãe e os dois irmãos são gremistas. Tentaram convertê-lo. Em vão. Um sentimento que Mateus tem dificuldade de explicar fez dele colorado ao ponto de ver proezas como a que o Inter sonha consumar hoje com o bi da América.



É nesta condição que Mateus, 14 anos, lutará com o Inter hoje. O verbo ver consta do dicionário de Mateus. Assim, ele viu, e é capaz de descrever, o gol de Adriano Gabiru na final do Mundial contra o Barcelona. Nos últimos quatro anos, construiu aos poucos o gol no seu imaginário. Ouviu dezenas de vezes a narração de Pedro Ernesto na Gaúcha. Leu tudo sobre o jogo na internet, com um software que narra os textos selecionados no teclado especial. Conversou com amigos. Sob inspiração do gaúcho e amigo Ricardinho, o Pelé da Seleção Brasileira de futebol para cegos, tornou-se atacante de habilidade. Já está marcando gols naAssociação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs). Seus dribles o ajudam a ver com nitidez a bola entrando em Yokohama.



– O Iarley dominou no meio, girou sobre um zagueiro e deu ao Gabiru. Aí ele acertou no contrapé do goleiro – diz Mateus, com precisão.



Aluno do Santa Luzia, Mateus cumpre ritual para torcer



Mateus queria muito ir ao jogo contra o Chivas, mas não vai. Deficientes visuais têm acesso livre e área especial no Beira-Rio, mas não há como entrar sozinho. Alguém precisa guiá-lo, e este alguém não conseguiu ingresso. Então, Mateus vai cumprir o ritual de sofrimento em casa, onde caminha sem auxílio por todos os cantos. Três horas antes do jogo, acionará os seus olhos no futebol: o radinho.



– Estou sempre com o radinho, embora nada se compare a ir ao estádio. Já fui na Popular. Eles usam bandeiras e colocam faixas de apoio em vermelho. Não há como descrever como é o vermelho, mas sei que é uma cor forte. Tudo a ver, portanto – ensina Mateus, com singeleza e humor que chega ao sublime quando, horas antes dos jogos, ele sai do quarto, vai até a sala e diz sorrindo para os gremistas da casa: “tá, podem ligar esta tevezinha aí que vai começar”.



É o momento de vestir a camiseta branca escrito atrás Libertadores-Recopa-Mundial e fechar a porta do quarto. Ritual completo. Mas o que seria exatamente o branco para Mateus, cujo ressecamento incurável na retina o impede de enxergar desde o primeiro suspiro de vida?



– Meu pai ensinou que é mais claro. Vejo tudo escuro, mas quando tem luz sinto um calor nos olhos. Fica diferente.



Mateus Roberto de Souza Gusmão, da 8ª série do Instituto Santa Luzia, suspeita que não conterá o choro de alegria se o Inter se abancar no panteão dos vencedores novamente. Quatro anos depois de 2006, se tudo der certo hoje, talvez demore menos para construir a visão do ídolo Bolívar – a quem gostaria de ter a chance de dizer “eu acredito em você” hoje – erguendo a taça. Uma imagem que pode ser mais bonita do que a real.



Mateus já não faz muita questão de ver de verdade. Para Rejane, a mãe incansável, disse certa vez que não havia mais necessidade de buscar a cura impossível, conforme atestam os médicos.



– É até bom não ver. Tem muita coisa neste mundo que eu não gostaria de ver. A violência na rua, por exemplo. Sou feliz assim. E vou ficar muito mais feliz se o Inter for campeão de novo. Porque o Inter é...sei lá... é tudo. O Inter é tudo.



Mateus nunca viu, mas sempre amou o Internacional.



diogo.olivier@zerohora.com.br

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